“Cadê a Perna do Pererê” apresenta criança suscetível a camadas de preconceito

Depois de muita conversa com pessoas que estão nos mesmos lugares de fala de sua personagem Sofia – que tem deficiência física e pele escura – a escritora Joanita Ramos está lançando discretamente, sem evento, o livro digital “Cadê a Perna do Pererê?”, que pode ser acessado gratuitamente através do link https://www.containercultural.com/sofiaeosaci. A obra faz parte de um projeto de ação afirmativa que procura estimular desde a infância, a aceitação e autoaceitação de meninos e meninas que ainda sofrem preconceito e bullying por causa da cor da pele ou do corpo “fora de padrão”.

“Evitando didatismos ou lições de moral, estamos procurando sensibilizar as crianças com um pouco de poesia e as imagens criadas pela Márcia Széliga, valorizando o que quase não se evidencia: o fato de que na mitologia brasileira, estão presentes a pele escura e também a deficiência física”.

A ideia é também estimular a revalorização dos nossos próprios mitos, como afirma Ramos: “Ao invés de ficar pulando da janela, tentando voar como o Super Homem, é muito mais saudável que as crianças sejam apresentadas a mitos que não têm as características inalcançáveis dos heróis americanos, mas que têm as virtudes possíveis na nossa cultura, como o humor, a generosidade e a capacidade de ser livre na sua singularidade”.

Ao ser submetida à avaliação pelo público, em um encontro virtual que reuniu pessoas com deficiência e de pele escura em torno do tema Literatura e Superação de Preconceitos (https://www.youtube.com/watch?v=zKUos8N9yVQ), a obra provocou depoimentos que emocionaram os participantes. Um deles foi o do designer paulista Fábio Bispo, contando que logo que começou a frequentar a pré-escola, durante o banho, esfregava camomila na pele. Ao ser questionado pela mãe sobre os motivos, disse que queria ficar branco, pois havia escutado dos adultos que a planta podia ser usada para clarear pele e cabelos. “Minha mãe me abraçou e chorou”, descreve ele.

Entre os depoimentos impactantes também está o relato do produtor Jul Leardini que afirma ter sofrido bulliyng por causa das muletas que era obrigado a usar. Conta que em sua infância se sentiu tão angustiado que decidiu se vingar, usando sua destreza com as muletas para atingir os garotos que o atormentavam. “Depois disso, os que eram considerados “bandidinhos” da escola passaram a me proteger”, diz ele.

“As tocantes histórias de vida que vieram à tona no dia 28 de abril, quando fizemos a primeira exposição do conteúdo do livro, ainda inacabado, nos mostram que é de pequenino que se evita o preconceito” – conclui a autora. Alexandre Salum de Oliveira, presidente da Associação de Deficientes Físicos do Paraná, ao conhecer o projeto, afirmou que iniciativas como a desse livro são muito importantes para elevar a autoestima das crianças com deficiência. Em encontro virtual com a autora, o representante da instituição manifestou o desejo de promover uma tarde de autógrafos na Associação. Mas o livro, por enquanto, só está disponível em edição digital.

A escritora afirma que um dos seus propósitos para este ano – se possível até o Dia das Crianças – é conseguir sensibilizar patrocinadores para produzir a versão impressa do livro. “A meta é que os leitores adultos nos ajudem a levar esse livro a mais de 10 mil crianças, mas também queremos que ele alcance crianças que estão nas camadas de exclusão digital, e sabemos que não são poucas” – diz.

Sinopse
Em “Cadê a Perna do Pererê?”, a personagem Sofia é uma leitora atenta e sensível, que usa a inteligência e capacidade de se comunicar e se relacionar afetivamente com a avó, para criar, ela mesma, modos de buscar um personagem com que possa se identificar. Ao descobrir que o mito Saci Pererê não tem uma perna, a menina pede ao Negrinho do Pastoreio que vá em busca do membro perdido.

Serviço: Cadê a Perna do Pererê, de Joanita Ramos, com ilustrações de Márcia Széliga. Acesso gratuito através do link https://www.containercultural.com/sofiaeosaci.